segunda-feira, 21 de maio de 2012

Liberdade no Tráfico


Pessoal, julgado interessante no STF, noticiado no último informativo.

O plenário da Corte, ao julgar o HC 104.339/SP, declarou a inconstitucionalidade da expressão “e liberdade provisória”, constante do art. 44, caput, da Lei 11.343/2006 (Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos).

Os ministros entenderam que a vedação abstrata à liberdade provisória conflitaria com outros princípios também revestidos de dignidade constitucional, como a presunção de inocência e o devido processo legal.

Além do mais, os ministros ressaltaram que se deve sempre fazer a individualização do caso, fundamentando de forma concreta as razões pelas quais se faz imprescindível a custódia cautelar.

Necessário fazer algumas considerações a respeito desta decisão.

Primeiro: trata-se de decisão tomada pelo órgão Pleno do STF, portanto, exterioriza o pensamento do Tribunal a respeito da inconstitucionalidade da vedação à liberdade provisória no crime de tráfico. Sabe ainda que compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição. Disto resulta a importância do posicionamento.

Entretanto, nota-se que que a declaração de inconstitucionalidade se deu incidenter tantum, ou seja, por meio de controle difuso de constitucionalidade. Em outras palavras, a inconstitucionalidade não foi objeto do pedido, mas causa de pedir; se prestou a fundamentar o pedido, mas não fez parte integrante deste.

Dessa forma, a decisão operou efeitos intra partes (somente entre as partes do processo) e ex tunc (retroage à data da publicação da lei). Caso se queira dar efeito erga omnes à decisão, mister se faz adotar a forma do artigo 52, inciso X, da CF, ou editar súmula vinculante com seu conteúdo.

Vejam que a decisão, apesar de ser importante precedente, não gera efeitos automáticos. Quem quiser se beneficiar do entendimento deverá ajuizar ação (provavelmente HC ou pedido de liberdade provisória). Agora vem a pergunta que derruba: o juiz de primeiro grau deverá seguir a decisão do STF, que declarou inconstitucional o termo?

Até algum tempo atrás era pacífico de que esta decisão não vincularia o juiz de primeiro grau. Era... Até o STF conhecer de uma Reclamação ajuizada por ofensa à decisão (em sede de controle difuso de constitucionalidade) que declarou inconstitucional a proibição de progressão de regime nos crimes hediondos.

Como se sabe, a Reclamação é peça pertinente a preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das suas decisões. Então, o STF, ao receber a aludida reclamação, teria atribuído efeito vinculante às decisões tomadas em controle difuso de constitucionalidade?

Desse questionamento surgiu a teoria da transcendência dos motivos determinantes. A teoria faz a seguinte diferenciação: uma coisa é a prestação da tutela jurisdicional, outra são os fundamentos levados em conta para se tomar a decisão. Quanto aos fundamentos, se diferencia ratio decidendi e obter dictum; este diz repeito aos argumentos adjacentes, os quais não influem na decisão, enquanto àquele refere-se aos motivos que fundamentam a decisão. Assim, por esta teoria, os fundamentos determinantes (ratio decidendi) de uma questão operariam efeitos fora do processo.

Vamos fazer o seguinte raciocínio: Quem é o órgão competente para “dar a última palavra” em matéria de constitucionalidade? O STF. Se a decisão tomada pelo órgão Pleno do STF traduz o pensamento da corte sobre a questão, conclui-se que, quando este se pronuncia a respeito da constitucionalidade de algum dispositivo legal, tem-se que tal questão stare decisis, ou seja, já está decidida por quem de direito.

Com isso, entendimentos dos demais órgãos do Poder Judiciário que vão de encontro com o posicionamento do Pleno do STF são desprovidos de técnica processual, uma vez que esta questão (inconstitucionalidade da vedação à liberdade provisória nos crimes de tráfico) já está decidida pelo órgão competente para tanto. Caberia ao julgador apenas adequar as razões ao caso concreto.

Ademais, de acordo com o art. 557 do CPC, o recurso em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior poderá ser julgado monocraticamente.

Aos estudos!

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Tipos penais


Pessoal, volto a postar após um longo tempo. Mas, antes tarde do que nunca!

Questão interessante foi cobrada na última preambular do MP/MG:

Dr. José, médico “aposentado” do Hospital Naval, mudou-se para Leopoldina/MG: vendeu sua cobertura em Ipanema (Rio de Janeiro/RJ) e adquiriu uma fazenda com gado leiteiro, na “bucólica” região da zona da mata mineira. Indo à cidade para a missa que mandou rezar em memória de um ano da morte de sua esposa, Dr. José conheceu Mariazinha, que, apesar de contar apenas 16 (dezesseis) anos de idade, celebrava, no mesmo culto religioso, sua prodigiosa aprovação em primeiro lugar no vestibular de Medicina da UFJF. Dr. José se apaixonou por Mariazinha e, naquela noite, após uma festa no clube da cidade, manteve com ela conjunção carnal consentida. Hoje, às vésperas da esperada mudança da adolescente para Juiz de Fora/MG, o pai de Mariazinha recebeu a notícia de que a adolescente está no quinto mês de gravidez. Mariazinha manteve relação sexual exclusivamente com Dr. José – e apenas uma vez! Quanto ao enquadramento jurídico penal da conduta de Dr. José, que nega ser o pai do nascituro, é CORRETO afirmar que se trata de:
A) assédio sexual.
B) violação sexual de vulnerável.
C) corrupção de menor.
D) indiferente penal.

Toda questão que traz a prática do Promotor de Justiça é extremamente válida e bem vinda! Vamos lá:

Para resolvermos a questão é necessário que tenhamos dois conceitos básicos bem definidos: 1) os tipos penais são interpretados de forma restritiva (consequência do princípio da legalidade); 2) elemento subjetivo do tipo.

Alternativa “A”: Vejamos a letra da lei no tipo penal do assédio sexual:
Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pois bem, observem a expressão com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual. Trata-se de elemento subjetivo do tipo, ou seja, a infração penal exige a vontade específica do agente em obter vantagem ou favorecimento sexual para se configurar o crime. Da análise do enunciado não se depreender esta finalidade específica do agente, mas tão somente que ele manteve relação sexual com a menor em razão de ter se apaixonado por ela.
Além do mais, o crime de assédio reclama uma condição peculiar do agente, que deve se valer da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Como dito, os tipos penais são interpretados de forma restrita, de modo que o agente, em não ostentando tal condição, não comete crime de assédio.

Alternativa “B”: Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos. Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
Notem que aqui o tipo penal exige uma condição específica do sujeito passivo. Como a vítima não se enquadra em nenhuma destas hipóteses, tem-se como não configurado o crime (interpretação restritiva do tipo penal).

Alternativa “C”: Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem (Código Penal). Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la ( ECA).
No tipo do CP, mais uma vez é reclamada condição especial da vítima (menor de 14 anos). Como o sujeito passivo não se enquadra em tal condição, tem-se como não configurado o crime. Na infração do ECA, há o elemento subjetivo do tipo, que consiste na vontade de corromper o menor. No mais, há a necessidade de se praticar com o menor ou induzir que ele pratique infração penal. Nota-se que nenhuma das duas exigências é encontrada no enunciado.

Portanto, a conduta do Dr. José é um indiferente penal.

Aos estudos!