terça-feira, 13 de março de 2012

Aborto


Pessoal, vamos refletir um pouco a respeito do artigo 128 do Código Penal. Diz ele:

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
        I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
        II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

O artigo traz as hipóteses em que estão autorizadas as práticas abortivas. Vamos fazer uma análise da natureza jurídica delas.

Classificar por natureza jurídica significa agrupar institutos que tenham entre si pontos coincidentes. Portanto, deve-se levar em conta mais o seu conteúdo e menos a sua forma.

Pois bem, em relação ao inciso I, aborto necessário, praticamente não há divergência. Trata-se, como se pode ver, de causa de exclusão da ilicitude, na modalidade estado de necessidade. Sacrifica-se a vida intrauterina para se preservar a vida da mãe.

No entanto, quanto à natureza jurídica do inciso II, há diversos entendimentos.

Tem prevalecido que o inciso II também se trata de causa de exclusão da ilicitude, na modalidade de exercício regular do direito. Os adeptos desta corrente dizem que a lei foi clara ao dispor que não se pune o aborto (causa objetiva) e não o médico (causa subjetiva). Como a exclusão recai sobre o crime e não sobre a pessoa, fica evidente, segundo este pensamento, que fica excluída a ilicitude do fato. Vejam que é uma interpretação estritamente literal da lei.

Um segundo entendimento diz que há, na verdade, ausência de fato típico. Fundamentam de duas formas:

Primeiro: o fato seria atípico considerando-se a tipicidade conglobante (Zaffaroni). A tipicidade conglobante se compõe da tipicidade formal (adequação do fato ao tipo penal) e da tipicidade material (adequação do fato como contrário ao ordenamento jurídico considerado como um todo). Assim, apesar se enquadrar na norma, o aborto sentimental estaria autorizado pelo ordenamento jurídico, o que lhe retira a tipicidade material.

Segundo: o fato seria atípico considerando-se a imputação objetiva. Como já foi abordado neste blog, a imputação objetiva opera no campo do nexo causal. Ausente a imputação objetiva não há nexo causal entre a conduta e o resultado, deixando de existir, portanto, fato típico. Observem que para haver imputação objetiva a conduta do agente deve criar um risco proibido para o bem jurídico protegido. O aborto sentimental cria um risco permitido pelo ordenamento jurídico, o que retira a imputação objetiva.

Para uma terceira corrente há exclusão da culpabilidade, na modalidade de inexigibilidade de conduta diversa. Como se sabe, culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal que se faz sobre a conduta ilícita do agente. Não há como se exigir da gestante, vítima de estupro, e do médico, conduta diversa do aborto.

Entendo ser a terceira corrente mais técnica e acertada, pois procura classificar o instituto não pela sua forma, mas pelas suas características.

Vale ressaltar que é a terceira corrente que fundamenta o aborto eugênico (feto anencéfalo).

Aos estudos.

Um comentário:

  1. Data venia maxima, eu arriscaria criar uma 4ª natureza para essa norma permissiva ao aborto fruto do estupro. Em estreita análise, a própria norma penal em questão revela possuir natureza de "exclusão de punibilidade", senão vejamos:
    O aludido texto repressor estabelece que não se pune o aborto praticado por médico em algumas situações. Dessa forma, a própria lei reconhece a prática de aborto, deixando de PUNIR em alguns casos autorizados por ela o médico que praticá-lo. Assim, não há exclusão de ilicitude, pois essa excluiria o próprio crime, que não é o caso. Também não autoriza o reconhecimento da exclusão da culpabilidade, pois não podemos falar em inexigibilidade de conduta diversa, pois o agente estaria ignorando a opção de se ter uma gestação normal, a despeito de ser fruto de um estupro. Assim, entendo que a norma em questão toca tão-somente na possibilidade de se punir aquele que praticar o aborto, e a lei declara que não se puni o aborto na circunstância de estupro. É uma exclusão de punibilidade.

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