quinta-feira, 10 de maio de 2012

Tipos penais


Pessoal, volto a postar após um longo tempo. Mas, antes tarde do que nunca!

Questão interessante foi cobrada na última preambular do MP/MG:

Dr. José, médico “aposentado” do Hospital Naval, mudou-se para Leopoldina/MG: vendeu sua cobertura em Ipanema (Rio de Janeiro/RJ) e adquiriu uma fazenda com gado leiteiro, na “bucólica” região da zona da mata mineira. Indo à cidade para a missa que mandou rezar em memória de um ano da morte de sua esposa, Dr. José conheceu Mariazinha, que, apesar de contar apenas 16 (dezesseis) anos de idade, celebrava, no mesmo culto religioso, sua prodigiosa aprovação em primeiro lugar no vestibular de Medicina da UFJF. Dr. José se apaixonou por Mariazinha e, naquela noite, após uma festa no clube da cidade, manteve com ela conjunção carnal consentida. Hoje, às vésperas da esperada mudança da adolescente para Juiz de Fora/MG, o pai de Mariazinha recebeu a notícia de que a adolescente está no quinto mês de gravidez. Mariazinha manteve relação sexual exclusivamente com Dr. José – e apenas uma vez! Quanto ao enquadramento jurídico penal da conduta de Dr. José, que nega ser o pai do nascituro, é CORRETO afirmar que se trata de:
A) assédio sexual.
B) violação sexual de vulnerável.
C) corrupção de menor.
D) indiferente penal.

Toda questão que traz a prática do Promotor de Justiça é extremamente válida e bem vinda! Vamos lá:

Para resolvermos a questão é necessário que tenhamos dois conceitos básicos bem definidos: 1) os tipos penais são interpretados de forma restritiva (consequência do princípio da legalidade); 2) elemento subjetivo do tipo.

Alternativa “A”: Vejamos a letra da lei no tipo penal do assédio sexual:
Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pois bem, observem a expressão com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual. Trata-se de elemento subjetivo do tipo, ou seja, a infração penal exige a vontade específica do agente em obter vantagem ou favorecimento sexual para se configurar o crime. Da análise do enunciado não se depreender esta finalidade específica do agente, mas tão somente que ele manteve relação sexual com a menor em razão de ter se apaixonado por ela.
Além do mais, o crime de assédio reclama uma condição peculiar do agente, que deve se valer da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Como dito, os tipos penais são interpretados de forma restrita, de modo que o agente, em não ostentando tal condição, não comete crime de assédio.

Alternativa “B”: Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos. Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
Notem que aqui o tipo penal exige uma condição específica do sujeito passivo. Como a vítima não se enquadra em nenhuma destas hipóteses, tem-se como não configurado o crime (interpretação restritiva do tipo penal).

Alternativa “C”: Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem (Código Penal). Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la ( ECA).
No tipo do CP, mais uma vez é reclamada condição especial da vítima (menor de 14 anos). Como o sujeito passivo não se enquadra em tal condição, tem-se como não configurado o crime. Na infração do ECA, há o elemento subjetivo do tipo, que consiste na vontade de corromper o menor. No mais, há a necessidade de se praticar com o menor ou induzir que ele pratique infração penal. Nota-se que nenhuma das duas exigências é encontrada no enunciado.

Portanto, a conduta do Dr. José é um indiferente penal.

Aos estudos!

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Banca Examinadora. Grupo III


Pessoal, vamos continuar a analisar a banca do MP/GO. Agora o Grupo III:

Dr. Arthur José Jacon Mathias: atualmente é assessor administrativo da Procuradoria-Geral de Justiça. Tem atuação destacada na área de licitação, contratos administrativos e agentes públicos.

Dr. Christiano Motta e Silva: atualmente trabalha na assessoria da Subprocuradoria-Geral de Justiça para Assuntos Jurídicos. Tem notável conhecimento dos julgados do STF e domina a matéria constitucional.

Dra. Renata Dantas de Morais e Macedo: atualmente trabalha na área de controle ao patrimônio público e registros públicos.

Matérias que merecerem atenção especial: licitação, contratos administrativos, agentes públicos, decisões e súmulas do STF, improbidade administrativa.

Aos estudos!

quarta-feira, 21 de março de 2012

Banca Examinadora. Grupo II

Pessoal, vamos continuar a análise da banca examinadora do concurso do MP/GO. Agora o grupo II.
 
Dr. Luís Carlos Garcia: atualmente é Promotor de Justiça na cidade de Goiatuba, na área da infância e juventude. Também compôs o Núcleo de Apoio Técnico do Centro de Apoio Operacional do Cidadão.

Dr. Roni Alvacir Vargas: atualmente é Promotor de Justiça na cidade de Catalão, nas áreas civil, idosos, incapazes, ausentes, cidadão e deficiente físico.

Dra. Ana Maria Rodrigues da Cunha: atualmente é Promotora de Justiça na cidade de Goiânia, na área de família.

A banca de civil é formada por profissionais com atuação específica em determinados ramos do direito. São Promotores muito técnicos e com conhecimento profundo nas áreas de atuação. Temas que devem merecer atenção especial: parte geral do Código Civil, família, sucessões, responsabilidade civil, infância e juventude, deficiente físico, saúde, além de se aprofundamento nas técnicas de processo civil e processo coletivo.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Banca examinadora. Grupo I

Pessoal, saiu a composição da banca examinadora para o concurso do MP/GO. Para acessar a lista completa, clique aqui.

Pessoalmente, fiquei feliz com a escolha. Tratam-se de excelentes profissionais que com certeza selecionarão os melhores candidatos para compor os quadros do MP/GO.

Pois bem, vamos analisar, primeiramente, o perfil dos examinadores do Grupo I:

Dr. Rodney da Silva: Atualmente é Coordenador do Gabinete de Planejamento e Gestão Integrada. Dr. Rodney se destaca pela imensa capacidade de organização e sistematização. Tem perfil pragmático, contudo, sem se olvidar dos aspectos técnicos de cada matéria.
Tem forte conhecimento nas áreas de combate à criminalidade organizada, segurança pública e técnicas de investigação.
Como disse, o Dr. Rodney é profundo conhecedor da técnica processual penal. O candidato, na sua peça prática, deverá se pautar na técnica processual para ganhar pontuação com este examinador.

Dr. Mário Henrique Cardoso Caixeta: Atualmente é Promotor de Justiça na área criminal na cidade de Catalão. Atuou na vara do Júri da comarca de Rio Verde. Dr. Mário é um estudioso do direito penal, conhecedor, como poucos, das teorias fundamentais do direito penal e de criminologia. Também tem atuação destacada no combate ao crime organizado.
Se destaca, igualmente, pelo pragmatismo na atuação profissional. Atua na área de execução penal.

Dr. Flávio Cardoso Pereira: Atualmente é Promotor de Justiça em Jataí. Dr. Flávio é estudioso na área penal, tendo pós-graduação na Espanha. Clique aqui para ver alguns artigos do examinador.

Assim, esperem questões que envolvam condutas páticas do dia a dia do Promotor de Justiça. Crime organizado, execução penal, poder investigatório do MP, teorias fundamentais do direito penal e criminologia são temas que devem merecer atenção especial.

Amanhã, perfil da banca do Grupo II.

Aos estudos.

terça-feira, 13 de março de 2012

Aborto II

Para enriquecer o debate acerca do aborto de anencéfalo, seguem duas indicações de leitura:

Do amigo @pennaprado: Razões Finais sobre o caso, de lavra de Luís Roberto Barroso. Para ler clique aqui. Posição do MP/GO a respeito do caso, clique aqui.
 

Do amigo @br_domingos: Parecer da Procuradoria-Geral da República, de lavra de Deborah Duprat. Para ler clique aqui.

Aborto


Pessoal, vamos refletir um pouco a respeito do artigo 128 do Código Penal. Diz ele:

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
        I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
        II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

O artigo traz as hipóteses em que estão autorizadas as práticas abortivas. Vamos fazer uma análise da natureza jurídica delas.

Classificar por natureza jurídica significa agrupar institutos que tenham entre si pontos coincidentes. Portanto, deve-se levar em conta mais o seu conteúdo e menos a sua forma.

Pois bem, em relação ao inciso I, aborto necessário, praticamente não há divergência. Trata-se, como se pode ver, de causa de exclusão da ilicitude, na modalidade estado de necessidade. Sacrifica-se a vida intrauterina para se preservar a vida da mãe.

No entanto, quanto à natureza jurídica do inciso II, há diversos entendimentos.

Tem prevalecido que o inciso II também se trata de causa de exclusão da ilicitude, na modalidade de exercício regular do direito. Os adeptos desta corrente dizem que a lei foi clara ao dispor que não se pune o aborto (causa objetiva) e não o médico (causa subjetiva). Como a exclusão recai sobre o crime e não sobre a pessoa, fica evidente, segundo este pensamento, que fica excluída a ilicitude do fato. Vejam que é uma interpretação estritamente literal da lei.

Um segundo entendimento diz que há, na verdade, ausência de fato típico. Fundamentam de duas formas:

Primeiro: o fato seria atípico considerando-se a tipicidade conglobante (Zaffaroni). A tipicidade conglobante se compõe da tipicidade formal (adequação do fato ao tipo penal) e da tipicidade material (adequação do fato como contrário ao ordenamento jurídico considerado como um todo). Assim, apesar se enquadrar na norma, o aborto sentimental estaria autorizado pelo ordenamento jurídico, o que lhe retira a tipicidade material.

Segundo: o fato seria atípico considerando-se a imputação objetiva. Como já foi abordado neste blog, a imputação objetiva opera no campo do nexo causal. Ausente a imputação objetiva não há nexo causal entre a conduta e o resultado, deixando de existir, portanto, fato típico. Observem que para haver imputação objetiva a conduta do agente deve criar um risco proibido para o bem jurídico protegido. O aborto sentimental cria um risco permitido pelo ordenamento jurídico, o que retira a imputação objetiva.

Para uma terceira corrente há exclusão da culpabilidade, na modalidade de inexigibilidade de conduta diversa. Como se sabe, culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal que se faz sobre a conduta ilícita do agente. Não há como se exigir da gestante, vítima de estupro, e do médico, conduta diversa do aborto.

Entendo ser a terceira corrente mais técnica e acertada, pois procura classificar o instituto não pela sua forma, mas pelas suas características.

Vale ressaltar que é a terceira corrente que fundamenta o aborto eugênico (feto anencéfalo).

Aos estudos.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Longa manus

Pessoal, dia deste, acompanhando uma revisão de processo penal feito pelo meu amigo @JeffersonSB_, através do Twitter, percebi que foi levantada uma questão interessante.

O assunto era a remessa dos autos de inquérito policial ao Procurador-Geral de Justiça para fins do artigo 28 do CPP.

Como se sabe, o Juiz, ao discordar da promoção de arquivamento de inquérito policial feia pelo Promotor de Justiça, deverá remeter os autos ao Procurador-Geral de Justiça, que poderá ele próprio oferecer denúncia, designar outro Promotor para oferecê-la ou insistir no arquivamento, caso em que o Juiz estará obrigado a arquivar.

Surge então a primeira indagação: caso o Procurador-Geral de Justiça designe outro Promotor para fazer a denúncia, este é obrigado a oferecê-la? Respeitando-se entendimentos contrário, tem prevalecido que sim.

Agora, a segunda indagação: esta obrigatoriedade do oferecimento da denúncia não fere a independência funcional do Promotor? Entendemos que não. Explica-se:

A independência funcional, garantia do membro do Ministério Público (assim como do Judiciário), se revela pela liberdade de convicção, amparada em lei, acerca do fato sob análise.

Só há de se falar em convicção sobre um fato, com a consequente independência funcional para analisá-lo, quando o órgão possuir atribuição (ou competência, no caso dos Juízes) para apreciar a questão.

Vejamos: inquérito policial é remetido para o Promotor com atribuição para apreciá-lo. Com base nos elementos dos autos, o Promotor decide promover o arquivamento. Quando o juiz, ao discordar do arquivamento, remete os autos ao Procurador-Geral de Justiça, ocorre a mudança da atribuição para apreciação do caso do Promotor originário para o Procurador-Geral de Justiça. Assim, este passa a ser o órgão com atribuição para análise do caso.

No momento em que o Procurador-Geral de Justiça designa outro Promotor para oferecer denúncia não se estará mudando novamente a atribuição, mas tão-somente se outorgando a tarefa de oferecê-la. A atribuição continua sendo do Procurador-Geral de Justiça.

Dessa forma, a obrigatoriedade do Promotor em oferecer a denúncia não fere sua independência funcional pelo simples motivo de que não é facultado a ele formar sua convicção, pois não é o órgão com atribuição para tanto. Funciona ele como longa manus (extensão) do Procurador-Geral de Justiça. Na verdade, é como se o Procurador-Geral de Justiça estivesse oferecendo a denúncia.

Aos estudos!