quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Coculpabilidade às avessas

Pessoal, desta vez o MP/MG se superou. Na prova discursiva do último concurso o examinador formulou a seguinte pergunta:

A “coculpabilidade às avessas” tem sido desenvolvida, doutrinariamente, em duas perspectivas
distintas. Quais são elas?

Realmente, não vejo que tal questão possa avaliar o conteúdo do candidato a um cargo de Promotor de Justiça. No entanto, tendo em vista que se trata de uma teoria interessante, vamos discuti-la neste espaço.

De acordo com Eugenio Raul Zaffaroni, coculpabilidade é a corresponsabilidade do Estado no cometimento de determinados delitos, praticados por cidadãos que possuem menor âmbito de autodeterminação diante das circunstâncias do caso concreto, principalmente no que se refere a condições sociais e econômicas do agente, o que enseja menor reprovação social.

Nesse sentido, ainda que cometessem o mesmo crime, a pena de uma pessoa de alto nível social e econômico, portadora de ensino superior, seria maior do que a sanção imposta a uma pessoa de baixo nível cultural e econômico. Zaffaroni defende que neste último caso o Estado seria corresponsável pelo delito, pois não ofereceu condições de aprimoramento cultural e econômico ao agente.

Certo. No entanto, percebam que a pergunta não se refere à coculpabilidade, mas sim à “coculpabilidade às avessas”.

Vamos usar a lógica. Se o nome da teoria é “coculpabilidade às avessas”, presume-se que deva tratar de algo inverso ao conceito de coculpabilidade. E é justamente isso!

A primeira perspectiva de que trata a teoria da coculpabilidade às avessas se traduz no abrandamento à sanção de delitos praticados por pessoa com alto poder econômico e social, como no caso dos crimes de colarinho braco (crimes contra a ordem econômica e tributária). Exemplo prático disto no Brasil é a extinção da punibilidade pelo pagamento da dívida nos crimes contra a ordem tributária.

A segunda vertente se revela na tipificação de condutas que só podem ser praticadas por pessoas marginalizadas. Exemplos disto são os artigos 59 (vadiagem) e 60 (mendicância – revogado pela lei 11.983/2009), da Lei de Contravenções Penais. Dispõe o artigo 59: Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à própria subsistência mediante ocupação ilícita: Pena - prisão simples, de quinze dias a três meses. Percebam que se trata de um crime discriminatório, direcionado justamente às pessoas que a coculpabilidade busca resguardar.

Aos estudos

Consultado: Eugenio Raul Zaffaroni; José Henrique Pierangeli. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. Ed. RT.

11 comentários:

  1. Como tudo na vida quanto maior o conhecimento e a oportunidade mais a pessoa deveria ser cobrada e penalizada pelo descumprimento, mas como no Brasil os valores são invertidos, o examinador tem que perguntar sobre a coculpabilidade às avessas. Adorei a explicação, aprendi mais uma rs
    Claudete

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  2. Agora fiquei na dúvida, porque, de acordo com o espelho de prova disponibilizado pelo examinador, a segunda vertente seria a incriminação mais grave daqueles que possuem melhores condições sociais (art. 76, IV, a, da Lei 8.078 e art. 4º, § 2º da Lei 1521/51). De acordo o examinador "nessa perspectiva, os órgãos incumbidos da persecução penal devem buscar uma distribuição democrática da pena tradicional, sobretudo na criminalidade de sonegação de tributos, de agentes políticos (atos de corrupção e crimes de colarinho branco, etc) com unica estratégia capaz de romper a destinação exclusiva da prisão para os marginalizados. Cuida-se aqui, de maior responsabilização dos detentores dos meios de produção do capital.

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    1. Tbm vi essa distinção na doutrina, Inclusive Masson diz isso, coadunando-se com o espelho de prova. Coculpabilidade às avessas para Masson é uma maior reprovabilidade penal (resultando numa maior severidade penal) àqueles que detém grande poder ecônomico.

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  3. Sandro, eis aí o problema de questões extremamente teórias em provas discursivas.
    Coculpabilidade às avessas é uma teoria; e como todas as teorias, pode ser abordada sob vários aspectos. Não que um deles esteja errado. Mas de toda forma serão diferentes...

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  4. Salvo engano, a primeira vertente da teoria da co-culpabilidade às avessas, que o examinador gostaria de ouvir, trata do agravamento das penas, e não o seu abrandamento, nos casos em que o agente gozou de condições sociais e oportunidades adequadas, oferecidas pelo Estado, e mesmo assim praticou o crime. Nesta hipótese, sua culpabilidade pode ser considerada maior, pois "traiu" a confiança da sociedade, não aproveitando o "investimento social" nele realizado. Este seria o caso dos crimes contra contra o sistema financeiro, normalmente cometidos por pessoas de nível socioeconômico elevado. Veja-se, neste sentido, a explicação do Prof. Grégore Moura, no vídeo http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=0vumhQUf5Gc#!
    Assim, acredito que a dúvida do colega Sandro esteja sanada.

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  5. www.mp.mg.gov.br/portal/public/interno/arquivo/id/30755

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  6. Agradeço a disponibilidade do blog, conheci uma teoria interessantíssima. Salvou-me da apatia para desenvolver meu TCC. Obrigada, Luís!

    Cristina

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    1. Eu que agradeço sua visita, Cristina! Volte mais vezes!
      Grande Abraço

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  7. A teoria da coculpabilidade nasceu do funcionalismo penal, mas precisamente, na vertente elaborada por Claus Roxin, denominada funcionalismo teleológico, incluindo a reprovabilidade como parte integrante do conceito analítico de crime. Se antes o conceito de crime era elaborado com base em estruturas meramente jurídicas, com base na citada teoria, consideram-se também seus aspectos sociológicos. A coculpabilidade, portanto, consiste em atribuir ao Estado parte da responsabilidade pelo sujeito criminoso ou marginalizado. É uma reprovação conjunta, visto que o Estado, ao não proporcionar a todos igualdade de oportunidades na vida, faz com que o sujeito veja no crime sua única opção. Essa construção de Eugenio Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, ensina que todo sujeito age numa circunstância dada e com um âmbito de autodeterminação também dado. Em sua própria personalidade há uma contribuição para esse âmbito de autodeterminação, posto que a sociedade – por melhor organizada que seja – nunca tem a possibilidade de brindar a todos os homens com as mesmas oportunidades. Em consequência, há sujeitos que têm um menor âmbito de autodeterminação, condicionado desta maneira por causas sociais. Não será possível atribuir estas causas sociais ao sujeito e sobrecarregá-lo com elas no memento da reprovação de culpabilidade. Costuma-se dizer que há, aqui, uma ‘coculpabilidade’, com a qual a própria sociedade deve arcar. Inversamente, a coculpabilidade as avessas reprova mais gravemente a conduta daquele que, com alto poder econômico, tendo acesso as mais diversas oportunidades, ainda sim, escolheu delinquir.
    Tainah Wiedtheuper

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